Imigrantes qualificados têm seus talentos desperdiçados no Canadá


Para o pediatra brasileiro Iraj Khalili Nasrabadi, uma das partes mais difíceis de ter trabalhado num McDonald’s em Calgary, no ano de 2015, era ouvir que os moradores das zonas rurais estavam desesperados por médicos de família. Ele teria prazer em atendê-los se lhe fosse dada a chance.
Depois de chegar no Canadá, em 2010, Nasrabadi fez três exames médicos necessários para trabalhar no Canadá e passou 18 meses acompanhando um médico canadense. Ele também se tornou um cidadão canadense.
Mas ainda não tinha conseguido uma residência médica, o último passo para se tornar um médico no Canadá, após três anos aplicando para programas em todo o país, embora tivesse 16 anos de experiência como médico no Brasil.
“Você simplesmente não pode usar suas habilidades, o seu talento, a sua experiência”, disse Nasrabadi, que decidiu se tornar pediatra aos 10 anos de idade no Irã, mas estudou medicina no Brasil após a comunidade a que pertence, chamada de Bahá’í, ter sido perseguida durante a Revolução Iraniana. “Pouco a pouco, cheguei à conclusão de que, no momento, não posso fazer mais nada aqui no Canadá.”
Assim, em janeiro de 2016, Nasrabadi retornou ao Brasil, deixando para trás sua esposa e dois filhos em Calgary, para que pudesse trabalhar como médico e ganhar mais dinheiro para a sua família.
Médicos imigrantes como Nasrabadi, bem como enfermeiros e outros recém-chegados altamente qualificados em todo o país, estão tendo que lutar bastante para obter a certificação canadense e encontrar trabalho em suas áreas, mesmo possuindo habilidades em alta demanda.
“Nosso problema é que, desde de 1990, não temos sido capazes de fazer o melhor uso dos nossos imigrantes”, diz Michael Bloom do Conference Board of Canada. “Sabemos disso porque eles não atingiram o mesmo nível de remuneração dos profissionais canadenses e não obtiveram tanto sucesso quanto as gerações anteriores de imigrantes”.
O Canadá é reconhecido mundialmente por seu sistema de recrutamento de imigrantes talentosos, mas muitas vezes não consegue dar a essas pessoas a oportunidade de utilizarem suas qualificações, trazendo enormes custos para a economia canadense.
Há uma grande discrepância entre as qualificações dos imigrantes e os trabalhos que eles acabam exercendo aqui. Apenas cerca de 1/4 dos imigrantes internacionalmente qualificados estão trabalhando em profissões regulamentadas no Canadá, de acordo com dados de 2011.
“Há uma piada em Toronto que diz que o melhor lugar para se ter um ataque cardíaco é em um táxi, pois lá haverá um médico trabalhando de motorista”, diz Margaret Eaton, diretora-executiva do Conselho de Emprego para Imigrantes da Região de Toronto.
Na realidade, menos de 1% dos médicos imigrantes já trabalharam como motoristas de táxi, de acordo com a Pesquisa Nacional de 2011. Mas quase metade deles nunca chega a exercer a medicina no Canadá.
Em vez disso, eles acabam trabalhando como enfermeiros, ultrassonografistas e auxiliares de cuidados médicos, entre outras áreas afins nas quais não usam todas as suas habilidades, mesmo que tenham adquirido anos de experiência no exterior.
Estudos acadêmicos mostram que aqueles que encontram trabalho em suas áreas muitas vezes acabam trabalhando abaixo do seu nível de qualificação.
Em Ontário, muitos engenheiros nascidos e qualificados no exterior se tornaram gerentes de TI, zeladores e motoristas de caminhão, ainda conforme os dados de 2011. Os melhores empregos para contadores qualificados incluem pequenos serviços em contabilidade, servir comida em restaurantes e trabalhar como caixa.
Parte do problema pode ser atribuído ao fato de que, nos últimos anos, o maior percentual de imigrantes veio de países como a Índia, China e Filipinas, onde o sistema de ensino é diferente dos países europeus, de onde veio a maioria dos imigrantes nas décadas passadas.
Outra grande questão é que, em muitos casos, estes imigrantes também acabam apresentando um nível mais básico de inglês.
O custo dessa incompatibilidade é significativo.
Em 2015, o Conference Board of Canada estimou que, se empregadores canadenses e órgãos reguladores de profissões fizessem um trabalho melhor no reconhecimento das qualificações dos imigrantes, eles estariam ganhando de $10 à 12,7 bilhões adicionais por ano e pagando mais impostos.
Além disso tudo, esse profissionais recém-chegados sofrem um enorme impacto emocional, especialmente quando acabam trabalhando em empregos de sobrevivência como na limpeza, restaurantes fast-food e em lojas, diz Naghmeh Rezvani, um profissional de carreira do Centro para Recém-Chegados de Calgary.
“Temos uma tendência a compará-los com os canadenses e dizemos, ‘Oh, eles não falam inglês tão bem’, em vez de pensar, ‘Oh, eles falam vários idiomas. Como isso pode se tornar uma vantagem para o meu negócio?’ ou ‘Eles têm uma grande rede empresarial e social internacional.’”
Aqueles em profissões regulamentadas são os que enfrentam a maior luta. De acordo com a equipe do Centro para Recém-Chegados de Calgary, o processo de transferência de qualificações pode levar, em muitas profissões, pelo menos três anos se os candidatos tiverem sucesso em tudo.
Muitos não imaginam o quão difícil será o processo para conseguir atuar em suas áreas, em parte porque conseguiram imigrar para o Canadá justamente devido a suas credenciais.
O médico egípcio Tarek El Maghraby, que se estabeleceu em Kingston, Ontário, em 2013, planejava usar sua experiência em radiologia no Canadá porque o sistema de imigração lhe deu pontos por ter um PhD da Holanda nessa área.
Em vez disso, ele está buscando um emprego como médico de família. Mesmo tendo gerenciado um departamento de radiologia na Arábia Saudita durante quatro anos, é improvável que ele consiga uma das muitas vagas em residência de medicina nuclear pelas quais ele tem que competir com jovens médicos canadenses.
“Parece que você está jogando 20 anos de prática no lixo”, diz El Maghraby.
Por outro lado, as organizações profissionais devem levar em conta a segurança pública quando se trata de integrar pessoas treinadas no exterior.
“É uma consideração muito cuidadosa dos interesses dos pacientes em primeiro lugar”, diz Danielle Frechette, diretora-executiva das relações externas do Royal College de Médicos e Cirurgiões, não esquecendo que os médicos estrangeiros podem ter sido bem treinados em seus países de origem, mas não estão familiarizados com as doenças canadenses.
Um médico de um país tropical pode ser excelente no tratamento da malária, mas não tem ideia alguma de como tratar um osso quebrado durante a prática de esqui, ela explica.
Muitas oportunidades de atender a demanda por profissionais qualificados estão sendo perdidas. Mais da metade dos enfermeiros internacionalmente especializados não conseguem obter acreditação para praticar no Canadá, embora a Associação Canadense de Enfermeiros preveja que o país enfrentará uma escassez de 60.000 enfermeiros até 2022. Todos os anos o Canadá perde enfermeiros, médicos, contadores e outros profissionais que selecionou para se tornarem residentes permanentes para os Estados Unidos, onde é mais fácil obter o credenciamento.
Ulgochi Ibediro, uma enfermeira da Nigéria que se estabeleceu em Vancouver em 2008, desencoraja seus amigos a se mudarem para o Canadá.
“Eu digo aos meus amigos que aqui no Canadá dois anos se passam e você ainda não está trabalhando. Digo a eles para irem para os EUA ou para o Reino Unido”. Ibediro ainda afirma que só conseguiu o seu primeiro emprego como enfermeira no Canadá mais de três anos após o seu desembarque.
Matthew O’Connor, um médico de 29 anos especializado em Cambridge, se casou com uma canadense. Ele e sua esposa estão hesitantes em mudar para o Canadá por causa de histórias que ouviram sobre o sistema.
A esposa de O’Connor é especialista em direitos de terra dos povos indígenas Primeiras Nações na província da Colúmbia Britânica. Ela tem um doutorado em Cambridge, no tema que foi financiado pelo governo canadense.
Mas se eles se mudassem para o Canadá, O’Connor enfrentaria muitos problemas para exercer a função de cardiologista, já que teria que começar a sua formação do zero e competir por apenas duas vagas de residência em Vancouver.
Em vez disso, o casal se mudou para a Nova Zelândia, onde a esposa de O’Connor aconselha o governo local sobre questões indígenas e ele começou a exercer sua função de médico em poucos meses.
“Estou um pouco frustrado”, diz ele. “Gostaríamos muito de poder voltar para o Canadá (agora) e continuar a minha formação por lá, mas isso simplesmente não é viável.”
No entanto, apesar dos desafios, muitos imigrantes continuam esperançosos, dispostos a tentar coisas novas.
Embora esteja trabalhando no Brasil, Nasrabadi está procurando maneiras de enfrentar o sistema canadense, bem como alternativas para trabalhar como médico na área de  pesquisa. Ele também diz estar disposto a trabalhar em partes remotas de Yukon se necessário, porque ama o Canadá.
“Tenho esperança de que, algum dia, eu voltarei”, diz ele.

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